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As duas ondas de calor consecutivas vistas em novembro e dezembro do ano passado em grandes partes da Argentina, no sul da Bolívia e do Brasil, em todo o território de Paraguai e de Uruguai, foram 60 vezes mais prováveis devido à mudança do Clima. O calor extremo continuou durante todo o verão simultaneamente a uma seca prolongada, que afetou o Rio Grande do Sul e contribuiu ainda para os incêndios no Chile.
Essas informações são de dois estudos de atribuição realizados em um curto período de tempo pela World Weather Attribution (leia aqui e aqui). Este tipo de estudo avalia a contribuição do atual nível de aquecimento global para intensificar ou tornar mais frequente um evento extremo específico.
Mudança climática favoreceu ondas de calor, que destruíram colheitas em meio a uma estiagem
estranhamente longa em todo o Cone Sul
O interesse da organização em entender o que está acontecendo no sul da América do Sul tem a ver com a segurança alimentar global: na Argentina, este verão extremo está gerando a pior colheita em quatro décadas, com soja e trigo entre as culturas mais afetadas. Representantes do setor estimam um prejuízo de 20 bilhões de dólares, e isso deve complicar ainda mais a crise econômica e de endividamento que o país já enfrenta.
No Rio Grande do Sul, 40% do milho e 30% da soja estão perdidos, segundo dados da Emater-RS.
"As ondas de calor são um dos impactos mais claros e mais negligenciados da mudança climática. Não só são assassinas silenciosas, causando um grande número de mortes que muitas vezes não são contadas, mas também podem ter enormes impactos econômicos, pois reduzem a produtividade e destroem as colheitas", afirma Roop Singh, pesquisador do Centro Climático da Cruz Vermelha/ Crescente Vermelho e um dos autores das análises.
“Isto é particularmente importante em países como a Argentina, que dependem fortemente das exportações agrícolas", completa Singh.
Estiagem e mudança do clima
Os estudos de atribuição têm a finalidade de estabelecer uma relação confiável de causa e efeito entre a mudança do clima e um evento extremo, mas muitos pesquisadores afirmam que isso já é desnecessário no caso de ondas de calor. Isso porque “surtos” de temperatura alta são o evento mais provável em um mundo mais quente, e o calor extremo ao longo de todo o Verão na Argentina é uma prova disso.
Essa mesma clareza não ocorre quando os cientistas investigam, por exemplo, mudanças no padrão de chuvas. No caso do estudo da WWA sobre a estiagem na América do Sul, essa conexão não ficou provada, embora os autores reconheçam o papel que o aumento do calor teve na diminuição geral da umidade nesses territórios sul americanos.
"Embora nossa análise não tenha encontrado um efeito direto da mudança climática na baixa pluviosidade, não podemos descartar que outros fatores relacionados às atividades humanas, como o desmatamento na Amazônia ou na região do Gran Chaco, possam ter desempenhado um papel", disse Paola Arias, professora da Universidade de Antioquia, Colômbia, e uma das autoras da pesquisa.
Juan Rivera, cientista do Instituto Argentino de Pesquisa da Neve, Glaciologia e Ciências Ambientais vai na mesma linha:
"Embora os métodos disponíveis para atribuição de eventos extremos não nos permitissem encontrar uma ligação clara entre déficits de precipitação e mudanças climáticas, a ocorrência dessas sucessivas ondas de calor nos últimos meses certamente poderia levar a um aumento do impacto da seca".
"A mudança climática definitivamente está desempenhando um papel nas altas temperaturas que a Argentina e outros países da região estão vivendo atualmente”, disse Friederike Otto, do Imperial College London, uma das idealizadoras do WWA e autora nas duas pesquisas.
“Quanto à seca, nossa análise sugere que a variabilidade natural e a ocorrência incomum de três anos seguidos de La Niña poderiam explicar melhor a baixa pluviosidade, mas as altas temperaturas exacerbam os impactos que estamos vendo especialmente na agricultura", finaliza Otto.