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A água pode manter-se líquida em temperaturas muito inferiores a 0 °C. Essa fase, chamada de super-resfriada, é um tema atual da pesquisa científica. Um modelo teórico desenvolvido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou que, na água super-resfriada, existe um ponto crítico, no qual grandezas como a expansão e a compressibilidade térmicas apresentam comportamento anômalo.
O estudo foi coordenado por Mariano de Souza, professor do Departamento de Física do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp em Rio Claro, e contou com apoio da FAPESP. Artigo a respeito foi publicado por Souza e colaboradores na revista Scientific Reports.
“Nosso estudo evidenciou que esse segundo ponto crítico é um análogo daquele que ocorre na faixa dos 374 ºC e sob pressão da ordem de 22 megapascais, quando a água transita entre os estados líquido e gasoso”, disse Souza à Agência FAPESP.
Na faixa dos 374 ºC, coexistem na água duas fases, uma líquida e outra gasosa. A gênese de tal comportamento exótico pode ser observada, por exemplo, no interior de uma panela de pressão. Nesse ponto, as propriedades termodinâmicas da água começam a apresentar um comportamento anômalo. Por isso, o mesmo é classificado como “crítico”.
No caso da água super-resfriada, também coexistem duas fases, porém ambas líquidas, uma mais densa e a outra menos densa. Se o sistema continua sendo resfriado apropriadamente abaixo de 0 ºC, há um ponto no diagrama de fases em que a estabilidade das duas fases se rompe. E a água começa a cristalizar. Este é o segundo ponto crítico, determinado teoricamente pelo estudo em pauta.
“O estudo mostrou que esse segundo ponto crítico ocorre na faixa de temperatura de 180 kelvin [aproximadamente -93 °C]. Acima desse ponto, é possível existir água líquida, a chamada água super-resfriada”, disse Souza.
“O mais interessante é que o modelo teórico que desenvolvemos para a água pode ser aplicado a todos os sistemas nos quais coexistam duas escalas de energia. Por exemplo, um sistema supercondutor à base de ferro que apresente também uma fase nemática [cujas moléculas se alinhem em linhas paralelas soltas]. Esse modelo teórico teve origem em diversos experimentos de expansão térmica em baixas temperaturas realizados em nosso laboratório de pesquisa”, disse.
Esse modelo universal foi obtido a partir de um aprimoramento teórico do chamado parâmetro de Grüneisen, assim denominado em referência ao físico alemão Eduard Grüneisen (1877-1949). Dito de maneira simplificada, esse parâmetro descreve os efeitos que a variação de temperatura e pressão exerce sobre uma rede cristalina.
“Nossa análise dos parâmetros de Grüneisen e Pseudo-Grüneisen pode ser aplicada para investigar o comportamento crítico em qualquer sistema com duas escalas de energia. É necessário apenas ajustar adequadamente os parâmetros críticos de acordo com o sistema de interesse”, disse Souza.
O artigo Enhanced Grüneisen Parameter in Supercooled Water pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-019-48353-4.
Fonte: Unesp/Rio Claro