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Nas últimas décadas, pesquisas têm mostrado como a perda de florestas tem impacto direto na diminuição do número de espécies. Agora, um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) demonstra que mudanças na paisagem causadas pelo desmatamento, perda de área e fragmentação florestal resultam não apenas na diminuição de espécies, mas também de suas interações ecológicas. O trabalho, publicado com destaque na capa da revista Biotropica, teve apoio da FAPESP.
“Em ecologia, sabemos muito sobre a relação espécie-área, mas pouco ou quase nada sobre a relação interações-área. Neste estudo, utilizamos redes ecológicas para desvendar como interações de dispersão de sementes respondem à perda de área e à fragmentação da paisagem. Conforme os fragmentos florestais ficam menores, perdemos interações ecológicas importantes para o funcionamento das florestas e manutenção da biodiversidade”, disse Carine Emer, primeira autora do artigo, produzido durante seu pós-doutorado no Laboratório de Biologia da Conservação (Labic) do Instituto de Biociências (IB) da Unesp, em Rio Claro.
A pesquisa integra o Projeto Temático “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, coordenado por Mauro Galetti, professor do IB-Unesp. Para este trabalho, os pesquisadores compilaram dados de 16 estudos, cada um sobre um fragmento florestal diferente de Mata Atlântica, formando um gradiente de perturbação humana inferido pelo tamanho da área remanescente de cada fragmento. Foram cruzadas informações como número de espécies de aves, de plantas e de interações entre esses organismos. Os pesquisadores concluíram que, quanto menor o fragmento florestal, menor é o número de espécies e de interações que ali conseguem persistir. No estudo, a interação considerada foi a dispersão de sementes por aves frugívoras, essencial para a constante regeneração da floresta.
Imagem: Pedro Jordano / Divulgação
Florestas e interações
A floresta mais conservada e extensa do estudo, situada no Parque Estadual Intervales, no sul do Estado de São Paulo, tem 42 mil hectares e apresentou a maior diversidade de espécies (81 de aves frugívoras e 185 de plantas frutíferas) e de interações planta-dispersor de sementes (1.100 ou 3,65 por espécie).
No outro extremo do gradiente, um fragmento de seis hectares que se regenera há pouco mais de oito anos em Piracicaba, por sua vez, apresentou um número bem menor de aves frugívoras (28 espécies) interagindo com poucas espécies de plantas frutíferas (6). Foram registrados, portanto, apenas 169 interações de dispersão de sementes, ou seja, 1.47 por espécie.
Enquanto na primeira área uma espécie de ave pode dispersar sementes de três a quatro espécies de plantas, na última não dispersa mais do que duas. “Primeiramente, desaparecem as aves maiores, essenciais para dispersar espécies de plantas com sementes grandes. A perda, portanto, não é só numérica, mas também funcional, influenciando diretamente o processo de regeneração florestal. A médio-longo prazo, plantas com sementes grandes que perderam seus principais dispersores tendem a desaparecer da paisagem, ficando restritas a áreas maiores e bem preservadas. A floresta fragmentada torna-se mais pobre numérica e funcionalmente, onde persistem apenas espécies de aves pequenas cujo papel funcional é dispersar espécies de plantas com sementes pequenas; ou seja, perdemos a função ecológica de dispersão de sementes grandes, que pode alterar para sempre nossas florestas”, disse a pesquisadora.
Estudo anterior do grupo, que também teve Emer como primeira autora, mostrou que interações envolvendo espécies de grande porte se perdem em fragmentos florestais com menos de 10 mil hectares. O trabalho mostrou também a importância de aves pequenas e generalistas, que dispersam plantas com sementes pequenas e também de hábitos generalistas, para manter a conectividade da paisagem fragmentada. Em outras palavras, “a Mata Atlântica é hoje conectada por interações de aves generalistas dispersando espécies de plantas adaptadas a ambientes perturbados”, explicou Emer.
Além de espécies maiores, a fragmentação prejudica as chamadas interações específicas. Assim, uma planta dispersada por apenas uma ou poucas espécies de ave, por exemplo, corre mais risco de extinção do que outra cujos frutos são comidos por várias aves diferentes. Para completar, em um trabalho publicado no ano passado na revista Science Advances, o grupo quantificou quantos milhões de anos de história evolutiva de dispersão de sementes são perdidos na Mata Atlântica devido à defaunação, direcionada a aves de grande porte.
“Temos hoje em torno de 12% da Mata Atlântica, a maior parte em pequenos fragmentos florestais. Entre as áreas que analisamos, há uma grande diversidade de interações de dispersão de sementes, a maioria ocorrendo em apenas um ou poucos fragmentos. Estas interações correspondem a milhões de anos de evolução, ou seja, espécies com diferentes trajetórias evolutivas que no tempo atual, interagem entre si, e estão cada vez mais restritas a poucas áreas. Ou seja, chegamos a um limiar em que não podemos perder mais nada – cada fragmento florestal da Mata Atlântica corresponde a milhões de anos de história evolutiva única a ser preservada.” disse.
O artigo Seed dispersal networks in tropical forest fragments: Area effects, remnant species, and interaction diversity (doi: 10.1111/btp.12738), de Carine Emer, Pedro Jordano, Marco A. Pizo, Milton C. Ribeiro, Fernanda R. da Silva e Mauro Galetti, pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/btp.12738.
por: André Julião | Agência FAPESP