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Mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis à emergência climática. Entenda como isso se relaciona com raça e classe social
por Tatiane Matheus*
O planeta Terra vive uma emergência climática e a necessidade de soluções e ações se tornou ainda mais urgente com a crise mundial ocasionada pela pandemia da COVID-19. Um novo pacto social, político e econômico verde precisa ser debatido e muitas coisas precisam ser colocadas em prática para não haver um colapso ainda maior.
As mulheres não são (e nem devem ser vistas como) vítimas, nem heroínas. Mas, sim, estão nos grupos dos mais vulneráveis na emergência climática. Em diferentes aspectos, não apenas por questões de gênero. Raça, etnia, classe social, região, por exemplo, podem fazer com que esses impactos sejam vivenciados de formas distintas.
Mesmo representando a metade da população mundial e sendo as mais impactadas pelos efeitos do aquecimento global, as mulheres não possuem uma representatividade proporcional nas principais esferas de decisão; nem nas possíveis soluções das quais poderiam ser beneficiadas, elas são contempladas.
Até nos postos de trabalho gerados pelos investimentos em setores da Economia Verde - aqueles que colaboram para a redução dos efeitos da emergência climática - as mulheres não têm igualdade. Importantes esferas de decisão, como as Conferências do Clima (COPs), também não possuem a devida proporcionalidade de gênero nos postos de liderança, como divulgado no final do ano passado: “Mulheres pedem igualdade de gênero no comando da COP26”.
O grupo de Trabalho sobre Gênero & Clima do Observatório do Clima também entende que as mulheres têm suas vidas significativamente afetadas pelas mudanças climáticas e muitos problemas são potencializados pelas injustiças estruturais em relação ao gênero.
Interseccionalidade é o estudo da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação que nos permite compreender melhor as desigualdades e a sobreposição dessas opressões e discriminações existentes em nossa sociedade. Levando-se em conta o conceito de intersecção, mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres negras, mulheres da periferia, agricultoras, mães solteiras e chefes de família são impactadas de formas distintas. Até mesmo ao buscar responder a pergunta: Por que a produção de artigos científicos por mulheres caiu brutalmente durante a pandemia, vamos encontrar entre as respostas possíveis que a divisão sexual do trabalho doméstico e de cuidado existente em nossa sociedade acabam impactando as mulheres.
“Não existe hierarquia de opressão, já aprendemos. Identidades sobressaltam aos olhos ocidentais, mas a interseccionalidade se refere ao que faremos politicamente com a matriz de opressão responsável por produzir diferenças, depois de enxergá-las como identidades. Uma vez no fluxo das estruturas, o dinamismo identitário produz novas formas de viver, pensar e sentir, podendo ficar subsumidas a certas identidades insurgentes, ressignificadas pelas opressões”, como explica a doutora em Estudos Interdisciplinares de Gênero, Mulheres e Feminismos pela Universidade Federal da Bahia, Carla Akotirene, em seu livro Interseccionalidade.
Um exemplo emblemático sobre com muitas questões importantes podem se tornar “imperceptíveis” se não trouxermos o olhar da interseccionalidade é o discurso da intelectual Sojourner Truth, em 1851, “E eu não sou uma mulher?” em uma convenção pelos Direitos das Mulheres, onde ela questiona o conceito de “mulher universal”, sob seu ponto de vista de uma ex-escrava. Para se buscar uma retomada verde inclusiva — um novo pacto social econômico que seja de fato inclusivo —, deve-se levar em conta o conceito de interseccionalidade para que possa tirar da invisibilidade muitas pessoas.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os países pobres são os que mais sofrem as consequências imediatas da mudança climática por causa das condições desfavoráveis pré-existentes. Apesar de todas as regiões do planeta estarem sendo afetadas, os danos serão maiores para aqueles que tenham mais vulnerabilidades socioeconômicas e a sua localização geográfica.
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Segundo as estimativas do Parlamento Europeu, 70% das 1,3 bilhões de pessoas em situação de pobreza em todo o mundo são mulheres. Entretanto, o relatório da ONU Mulheres (2020) mostra que apenas cinco dos 75 estados membros da Organização das Nações Unidas reconheceram que as considerações de gênero são importantes para responder aos riscos de segurança relacionados ao clima. A pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2) trouxe à tona muitas diferenças sociais que já eram óbvias, mas não eram enxergadas — talvez não quisessem enxergá-las ou eram invisíveis por serem naturalizadas — por muitos.
Como apontado no artigo “Por que somente o investimento econômico em ‘setores verdes’ não basta”, para se reduzir as desigualdades estruturais de gênero e raça presentes no Brasil e trazer um desenvolvimento sustentável para uma retomada verde inclusiva são necessários: debater o tema e dar a devida nomenclatura para casos de racismo ambiental, falta de equidade de gênero e outras desigualdades; ter ações coordenadas que busquem políticas macroeconômicas e de desenvolvimento, políticas industriais e setoriais que considerem as dimensões sociais, ambientais e climáticas; gerar apoio para que micro e pequenas empresas atuem nos novos setores da economia de baixo carbono; buscar desenvolvimento de habilidades e competências profissionais; priorizar saúde e segurança no trabalho; ampliar ofertas de proteção social; defender os direitos universais e os serviços públicos; e criar políticas públicas e ações que promovam a garantia dos Direitos Fundamentais do Trabalho.
*Tatiane Matheus é pesquisadora no ClimaInfo e membro do Grupo de Trabalho de Gênero & Clima do Observatório do Clima.