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Importância do Clima
As condições de tempo e clima influenciam diretamente o setor de energia, desde os processos de planejamento de geração, até a operação e manutenção de hidrelétricas, complexos eólicos e solares, distribuidoras e transmissoras de energia. Isso porque no Brasil e na maior parte do mundo os ativos que compõem o setor elétrico estão expostos às interferências de tempo e clima, além de ter o vento, água e sol como um dos grandes aliados na geração de energia. Nesse contexto as mudanças climáticas, por menores que sejam, podem impactar no comportamento das variáveis meteorológicas e consequentemente no planejamento e operação do setor elétrico nacional.
O clima que conhecemos (regime de precipitação, padrão de ventos, temperatura) pode se alterar ao longo do tempo (décadas, séculos e milênios). Essas alterações podem ocorrer por causas naturais (alterações na radiação solar e movimentos orbitais, por exemplo) ou podem ser consequência das atividades humanas (CAVALCANTI, 2016).
As alterações no clima por causas naturais ocorrem em uma escala temporal na ordem de séculos a milênios quando comparado com alterações antropogênicas (intensificadas por atividades humanas) (NOBRE et al., 2007). Dentro do tema mudanças climáticas, surgem os termos aquecimento global e efeito estufa, que precisam ser compreendidos para tornar possível avaliar o impacto das mudanças climáticas no setor de energia.
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Aquecimento Global e o Efeito Estufa
O aquecimento global está relacionado ao aumento da temperatura média global do ar próximo à superfície. A causa desse aumento de temperatura está associada com ao aumento das emissões de gases do efeito estufa (dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), etc) na atmosfera. Esses gases absorvem parte da radiação de onda longa emitida pela superfície terrestre após o aquecimento, causando aumento da temperatura. Esse processo é natural e essencial para a vida no planeta Terra, pois mantém a temperatura média do planeta em torno de 15°C. Em decorrência do crescimento exponencial da quantidade de gases emitidos para a atmosfera desde a Revolução Industrial (1800) (Figura 1), a temperatura média global vem aumentando em uma taxa elevada. Esse aumento de temperatura é responsável por alterações nos padrões climáticos que apresentam efeitos diretos e indiretos nos setores ambientais, econômicos e sociais (Mideksa et al., 2010).
Figura 1: CO2 na atmosfera e emissões anuais (1750 - 2019) (Fonte: NOAA Climate.gov)
Importância e Consequência no Setor de Energia
O setor de energia é um elemento chave no tema das mudanças climáticas. Possui um papel extremamente importante no combate a emissão de gases do efeito estufa, devido ao desenvolvimento e incentivo de geração renovável e limpa. Uma vez que atualmente o setor de energia é responsável por uma parte das emissões de gases do efeito estufa, causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis.
Porém, como a geração renovável depende das condições meteorológicas, ela pode ser afetada, até mesmo reduzida drasticamente em algumas regiões devido a alterações na estação chuvosa, mudança na frequência e intensidade de eventos de precipitação, modificações na quantidade de radiação solar que atinge a superfície e nos padrões de circulação de vento (Gambhir et al., 2019).
Os impactos negativos não estão restritos apenas à geração de energia, as atividades de transmissão e distribuição também podem ser dificultadas com o aumento da frequência ou intensidade de eventos de tempo severo, principalmente devido ao aumento da intensidade do vento em regiões alteradas pela ação humana. No caso da distribuição de energia, as empresas têm se preocupado cada vez mais com os eventos de vento forte e seus impactos nos indicadores de continuidade, devido à queda de árvores e aumento de Clientes Interrompidos. Por outro lado, as transmissoras de energia estão mais preocupadas em justificar eventos extremos que em alguns casos possuem força suficiente para derrubar torres de alta tensão. Mas será mesmo que isso tem haver com a ação humana ou segue padrões climatológicos bem definidos?
Alguns estudos avaliam e projetam qual será o impacto das mudanças climáticas no Brasil, mas alguns resultados ainda variam de acordo com a simulação e cenário de emissão de gases selecionado. Montroull et al. (2018) analisaram as alterações de volume de precipitação, escoamento e evapotranspiração na Bacia do Prata, que possui como principais rios o Paraná (4.352 km), o Paraguai (2.459 km) e o Uruguai (1.600 km). Os autores encontraram que as vazões médias dessas sub-bacias poderão variar em até 20% em um futuro próximo, com tendência de aumento da precipitação no setor centro-sul e redução no setor norte da Bacia do Prata.
Para entender um pouco mais sobre este tema, convidamos o especialista em mudanças climáticas Pedro Regoto, para contribuir com esse texto. Regoto et al. (2021) nos apresentou uma pesquisa bem recente sobre mudanças em eventos extremos relacionados à temperatura do ar e precipitação sobre o Brasil, para o período 1961-2018, baseando-se em dados observados de estações meteorológicas/pluviométricas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e da Agência Nacional de Águas (ANA).
Os principais resultados discutidos pelos autores é de que, no geral, a intensidade e frequência dos extremos quentes aumentaram e dos extremos frios reduziram significativamente em todo o Brasil. Para os extremos de precipitação, o estudo mostra que os padrões das mudanças espaciais no país não são homogêneas como para os extremos de temperatura, ou seja, há uma alta variabilidade espacial, o que era de se esperar, ressaltam os autores.
Entretanto, detecta-se que nas Regiões Nordeste e Sul as tendências dos extremos de precipitação são de redução e aumento significativos, respectivamente. Essas mudanças, tanto para temperatura quanto precipitação, são mais pronunciadas a partir da década de 90 (Figura 2). No restante do Brasil, os sinais de mudança de chuva são muito heterogêneos, sem apresentar um sinal robusto. A Figura 3 sumariza as mudanças nos extremos climáticos sobre todas as regiões no Brasil. No contexto de impactos no setor energético brasileiro, esses resultados são uma indicação de que, principalmente, no Nordeste as chuvas estão diminuindo ao longo do tempo, mas no Sul o padrão é inverso, chuvas aumentando, o que podem impactar negativamente e positivamente na produção de energia regional (Eólica/Solar e Hidrelétrica). Além disso, a distribuição de energia elétrica pode ser alterada no futuro mediante às mudanças recentes no clima assim como às mudanças futuras.
Figura 2 – Séries temporais observadas de anomalias dos extremos de temperatura e precipitação, no período 1961-2017, sobre as cinco principais macro-regiões no Brazil: (a) Norte, (b) Nordeste, (c) Centro-Oeste, (d) Sudeste, e (e) Sul. O período climatológico baseado para o cálculo das anomalias é de 1981 a 2010. As duas primeiras colunas representam indicadores de extremos de temperatura, e as duas últimas aos de precipitação. A primeira coluna apresenta o indicador TX90p (dias quentes [% dias]), a segunda ao TN10p (noites frias [% dias]), a terceira ao R95p (dias muito chuvosos [mm]), e a quarta ao R30mm (dias com precipitação forte [dias]). As linhas pontilhadas em vermelho, azul e verde, referem-se aos indicadores relacionados a extremos quente, frio e chuvoso, respectivamente. A linha sólida preta indica a série temporal das anomalias suavizadas considerando um filtro Gaussiano de 15 pontos (anos). Fonte: Regoto et al. (2021).
Figura 3 – Resumo das mudanças nos extremos climáticos para cada região do Brasil. Fonte: Regoto et al. (2021).
Outros estudos, como o Relatório de 2013 do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), mostraram que as mudanças climáticas serão capazes de aumentar a duração e quantidade de períodos sem chuvas. Porém, quando houver períodos de chuvas, a intensidade de chuva será maior.
Por conta da capacidade das condições de tempo e clima afetarem o setor de energia como um todo, tanto de forma positiva como de forma negativa, é extremamente importante conversar com especialistas sobre o tema e contar com uma equipe de meteorologistas e climatologistas especializados a disposição.
Autores: Patricia Madeira – COO; Vitor Hassan – Head of Energy; Rafael Benassi – Meteorologista | Setor Elétrico; Filipe Pungirum – Meteorologista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, I. F. A. Tempo e clima no Brasil. Oficina de textos, 2016.
GAMBHIR, Ajay et al. Energy system changes in 1.5 C, well below 2 C and 2 C scenarios. Energy Strategy Reviews, v. 23, p. 69-80, 2019.
MIDEKSA, Torben K.; KALLBEKKEN, Steffen. The impact of climate change on the electricity market: A review. Energy Policy, v. 38, n. 7, p. 3579-3585, 2010.
MONTROULL, Natalia B.; SAURRAL, Ramiro I.; CAMILLONI, Inés A. Hydrological impacts in La Plata basin under 1.5, 2 and 3° C global warming above the pre‐industrial level. International Journal of Climatology, v. 38, n. 8, p. 3355-3368, 2018.
NOBRE, Carlos A.; SAMPAIO, Gilvan; SALAZAR, Luis. Mudanças climáticas e Amazônia. Ciência e Cultura, v. 59, n. 3, p. 22-27, 2007.
Regoto P, Dereczynski C, Chou SC, Bazzanela AC. Observed changes in air temperature and precipitation extremes over Brazil. Int J Climatol, v. 1, p. 1-18, 2021