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Um professor fica em choque ao perceber durante uma aula que sua pequena cidade tinha subitamente desaparecido do mapa. A cena é do filme Bacurau (2019), mas muitos lugares estão experimentando um trauma semelhante, mas pior: existem no mapa, mas na prática estão submergindo debaixo d’água para sempre.
Esta é a história do pequeno distrito de Atafona, na cidade de São João da Barra, no norte do Rio De Janeiro. Ali o Oceano Atlântico já devorou mais de 500 edificações, forçando a migração de quase 2 mil pessoas.
Nesta região fluminense, o problema não é apenas o aumento do nível do mar: Atafona está na foz do rio Paraíba do Sul, e a construção de barragens a montante levou à diminuição de seu fluxo. Isso permitiu que o mar vencesse facilmente a queda de braço com o rio, adentrando ruas e casas. O antigo balneário não tem praias próprias para banho, já que os destroços das construções submersas são um perigo para banhistas.
Em Santos, no litoral paulista, o bairro da Ponta da Praia pode ser uma das regiões costeiras do estado que terão que ser evacuadas neste século. A erosão costeira em estágio adiantado obrigou as autoridades a buscar a ajuda de cientistas e tentar soluções novas. Dessa sinergia surgiu em 2018 um projeto-piloto para a colocação, com a ajuda de mergulhadores, de geobags contendo mais de 300 toneladas de areia no total. Os primeiros resultados são promissores: não apenas o mar parou de engolir o terreno, como a areia voltou a ser acumulada, uma esperança para reverter o desaparecimento da praia.
Mas a experiência santista também traz um recado sombrio: combater a elevação do nível do mar exige investimentos e inovação tecnológica. A maioria das regiões do mundo não serão capazes de inventar uma forma de continuar existindo.
Não verás país nenhum
Honduras é um dos três países mais vulneráveis do mundo ao aquecimento global, e no município de Cedeño, com 7 mil habitantes, a igreja já está debaixo d’água, assim como os hotéis e a maioria das casas. As mudanças climáticas são a principal causa do agravamento da crise migratória hondurenha, com milhares de famílias se lançando ao mar em embarcações precárias rumo aos EUA, onde serão barrados e possivelmente deportados.
Como a maioria das pessoas, a comunidade internacional também continua tratando a crise migratória decorrente da elevação do nível do mar como um problema para o futuro, deixando as vítimas do avanço das águas a ver navios.
Os moradores de Kiribati sabem bem o que isso significa. O pequeno país formado por ilhas no Oceano Pacífico é o primeiro país a ver o sol nascer todos os dias e tragicamente está sendo a primeira nação a perder a batalha para o mar.
Quando era presidente do país, Anote Tong percorreu o mundo clamando solidariedade e acolhida para sua população de 100 mil habitantes. O esforço deu certo, abrindo rotas de imigração legal para a Nova Zelândia, Austrália e Fiji. Mas a perspectiva de deixar terra e cultura para trás desestabilizou o país politicamente, evidenciando que a migração forçada não é a melhor solução para os países-ilha. E isso eleva a responsabilidade dos maiores poluidores do mundo — o Brasil é o 6º — de zerar suas emissões de gases de efeito estufa.
E os países poluidores não falham apenas em solucionar a mudança do Clima que eles mesmos causaram, como também silenciam as principais vítimas. José Langa, representante do Observatório Ambiental para as Mudanças Climáticas (ObservA), protestou contra a ausência de Moçambique na Cúpula do Clima promovida em abril pelo presidente dos EUA Joe Biden. O país africano de língua portuguesa é o considerado pela ONU o mais vulnerável às mudanças climáticas.
"É triste porque parece que os nossos apelos, de quem mais sofre, não chegam a quem tem o poder. Seria interessante que nós como os mais afetados entrássemos neste debate", diz.
Neste momento, os moçambiquenhos vivem uma crise de fome e insegurança alimentar sem precedentes com severas perdas de lavouras para a estiagem.
Adeus, metrópole
Cidades grandes como Tokyo, Nova Orleans, São Petersburgo, Veneza e todo o território dos Países Baixos são exemplos de lugares extremamente vulneráveis à elevação do nível do mar. Esses locais só não estão total ou parcialmente submersos hoje devido a (caríssimas) soluções tecnológicas, que ainda precisam ser incrementadas para dar conta da expectativa de elevação ainda maior nos próximos anos.
Mas a tecnologia não resolve tudo, e Jacarta, capital da Indonésia, é prova disso. A metrópole de 10 milhões de habitantes e que está a apenas 8 metros acima do nível do mar afunda rapidamente em águas poluídas e deve sumir até metade do século. O governo do país apresentou há dois anos um plano para mudar a capital para a parte indonésia da ilha do Bornéu, que também abriga a Malásia e Brunei. Segundo as autoridades, o projeto custará 40 bilhões de dólares, e os primeiros moradores devem mudar em 2024, mas as obras estão atrasadas devido à pandemia e a dificuldades de financiamento.
Em abril, o presidente Joko Widodo postou um vídeo com imagens do projeto da nova cidade. Cientistas já estimam que, se concretizada, a mudança terá impactos significativos na ilha, que abriga uma das florestas tropicais mais importantes do mundo, comparável à Amazônia em biodiversidade.