Os recordes de temperatura registrados no verão de 2024/2025 não são eventos isolados — eles fazem parte de uma tendência global de aquecimento acelerado, cada vez mais difícil de conter. E mais alarmante: até mesmo os mecanismos naturais que historicamente ajudavam a reduzir a concentração de CO₂ na atmosfera estão começando a falhar.
Verões extremos e sem freio
No Brasil, o verão 2024/2025 foi o sexto mais quente desde 1961 como destacou o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), mesmo sob a influência da La Niña — um fenômeno que, em teoria, deveria atuar como um “freio climático”. A temperatura média do país ficou 0,34°C acima da média histórica, e o Sul brasileiro enfrentou três ondas consecutivas de calor, com picos extremos de temperatura.
No cenário global, a média de temperatura entre março de 2024 e fevereiro de 2025 foi 1,59°C acima da era pré-industrial, ultrapassando sistematicamente o limite simbólico do Acordo de Paris. Mesmo meses tipicamente mais amenos estão se tornando excepcionais — fevereiro de 2025, por exemplo, foi o terceiro mais quente já registrado no planeta, de acordo com o Copernicus/ERA5.
A biosfera já não dá conta
Um estudo recente publicado por Curran e Curran (2024) analisou a famosa Curva de Keeling — que monitora a concentração de CO₂ na atmosfera — e revelou um dado preocupante: o sequestro natural de carbono feito pelas florestas do hemisfério norte atingiu seu pico em 2008 e está em queda desde então.
Durante décadas, a vegetação do planeta ajudou a compensar parte das emissões humanas, absorvendo CO₂ durante o verão e liberando apenas uma fração no inverno. Mas isso está mudando. O estudo mostra que a capacidade de retirada anual de carbono da atmosfera está diminuindo cerca de 0,25% ao ano, o que significa que as emissões humanas têm hoje um impacto maior sobre o aumento da concentração de CO₂ do que tinham há 20 anos.
O cálculo do aquecimento global
Segundo os autores, se a vegetação mundial ainda sequestrasse carbono no ritmo dos anos 1960, o aumento anual de CO₂ na atmosfera hoje seria 24% menor. A taxa atual de crescimento das concentrações globais de CO₂ — cerca de +2,5 ppm por ano — poderia estar em torno de +1,9 ppm.
A consequência disso é clara: mesmo que as emissões globais se mantivessem constantes, o planeta continuaria aquecendo cada vez mais rápido, porque a natureza perdeu parte da sua capacidade de equilibrar o sistema.
A crise é do clima e da natureza
A conclusão do estudo é direta: para compensar a perda do sequestro natural, seria necessário reduzir as emissões globais em 0,3% ao ano apenas para manter o ritmo atual de aquecimento. Isso é especialmente preocupante num cenário em que as emissões seguem subindo.
Enquanto o calor quebra recordes no Brasil e no mundo, a biodiversidade global entra em colapso — com queimadas, desmatamento, ondas de calor, secas e tempestades afetando diretamente a vegetação que antes ajudava a frear o aquecimento.
Para o meteorologista Pedro Regoto, “os recordes de temperatura que estamos vivenciando não são meras oscilações naturais, mas parte de uma tendência clara de aquecimento global acelerado. O mais preocupante é que até mesmo os mecanismos naturais que antes ajudavam a equilibrar o clima estão perdendo força. Precisamos agir agora, unindo ciência, tecnologia e políticas eficazes para mitigar esses impactos”.