Os incêndios atingiram 67 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica de janeiro a outubro deste ano. O número, considerado “chocante” pelos cientistas, é dez vezes maior que a taxa de desmatamento oficial anunciada recentemente, de 6,3 mil quilômetros quadrados, segundo registro via satélite captado de julho de 2023 a agosto de 2024.
O dado é do Monitor do Fogo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), parte da rede Mapbiomas, e foi divulgado durante a Conferência do Clima de Baku, a COP29, realizada até esta sexta-feira (22/11).
É como se 6,7 milhões de estádios de futebol como o que sedia as negociações no Azerbaijão, sofressem o impacto das chamas.
Os episódios de seca extrema em 2023 e 2024 trouxeram mudanças para a floresta: com menos folhas, menos água e mais vulneráveis, ela perdeu principalmente a capacidade de barrar a “entrada” do fogo que vem de fora. Se a tendência continuar, novas formas de proteção terão que ser pensadas.
“A gente reduziu o desmatamento no último ano, foi o menor em quase dez anos. Mas o fogo impactou uma área dez vezes maior! A floresta pode até se recuperar, mas o processo é muito longo”, diz à DW a pesquisadora Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam que está em Baku.
A diferença entre desmatamento e incêndio
Embora o desmatamento e o fogo tenham uma relação na Amazônia, eles são detectados e medidos de formas diferentes. O desmatamento é computado quando acontece o corte raso, ou seja, quando há completa remoção da vegetação nativa. Na imagem de satélite, isso é percebido por meio de cores diferentes.
“Depende da composição colorida. Nessa composição, a vegetação aparece em verde. Quando desmata, que o solo fica exposto, fica um tom róseo. A cicatriz de incêndio aparece em outro tom, mais para o roxo”, explica Claudio Almeida, coordenador do programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a metodologia mais usada.
Ane Alencar, do Ipam, explica que a contagem de área de floresta queimada é feita a partir da cicatriz que o fogo deixa na paisagem. “A detecção ocorre pela redução da quantidade de verde na imagem. Quando o fogo passa, ele deixa uma marca, a umidade cai, e o tom de verde também muda”, detalha. “E uma cicatriz de fogo numa área que já foi desmatada é totalmente diferente de uma área de floresta em pé”, adiciona.
Como isso entra na conta
A diferença de metodologia se reflete na taxa de desmatamento, que soma a área onde não há mais resquício de vegetação nativa. No caso de incêndio, a floresta continua lá de certa forma, o tipo de uso do solo não muda imediatamente – e por isso os dados são tão diferentes.
“Não quer dizer que toda esta floresta vai desaparecer depois do incêndio. Ela vai sofrer, vai ficar debilitada, pode demorar muitos anos para se recuperar, é preciso chuvas regulares por alguns anos. É como um paciente doente”, explica Cláudio Almeida, do Inpe.
Na Amazônia, até então, o fogo era provocado quase que na sequência de um corte raso. A intenção do desmatador é limpar a área para uso agropecuário, seja pasto ou lavoura. Mas esse padrão tem mudado nos últimos anos.
“Nos últimos anos, temos percebido um aumento do solo exposto devido a queimadas constantes. É o que a gente classifica como desmatamento por degradação progressiva”, diz Almeida.
Em 2022, uma parcela de cerca de 7% do desmatamento contabilizado na taxa anual divulgada pelo Inpe na Amazônia foi causada por incêndios repetidos. Em 2023, essa relação foi de 20%. Neste ano, subiu para 25%.
Quente demais em 2024
O fogo provavelmente vai continuar aparecendo como um dos principais impactos das mudanças climáticas no mundo. Na Floresta Amazônica, que se desenvolveu ao longo de milhões de anos num regime úmido, isso é especialmente problemático, pois a vegetação não está “preparada” em termos evolutivos para resistir às chamas.
“A floresta úmida e superdiversa se desenvolveu há cerca de 60 milhões de anos, logo após o impacto do asteroide que extinguiu os dinossauros. Desde então, tudo indica que ela tem permanecido num estado de umidade e alta diversidade”, afirma Carlos D’Apolito, paleontólogo da Universidade Federal do Acre (UFAC).
Com o desmatamento, o aumento da temperatura média global nas últimas décadas e a ocorrência de eventos climáticos extremos, como a seca, a Amazônia está mais vulnerável. “Imagina a situação de muita seca, muitas folhas no chão. As árvores desfolhadas permitem a entrada de mais radiação solar e ar quente. É perfeito para o fogo se espalhar”, explica Alencar.
Fogo na conta das emissões
As árvores na Amazônia são consumidas parcialmente pelo fogo e não caem na hora, a morte, se ocorrer, pode ser lenta. Isso quer dizer que todo o carbono que ela acumulou ao longo do seu crescimento não vai de uma vez para atmosfera, mas é liberado depois, quando ela cai, ao longo de uma década.
“Se a gente zerasse hoje o desmatamento, a gente vai ter emissões nos próximos anos desta floresta que foi queimada agora. Se ela for morrer aos poucos, o carbono vai sendo liberado aos poucos”, diz Alencar.
Por enquanto, essas emissões de queimadas não entram nos inventários oficiais no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Mas o dado de 2024 pode ser um alerta para o Brasil.